# FROM THE IMPOSSIBLE TO POSSIBLE
No outro dia apercebi-me que uma das nossas alunas não aparecia há uns dias nas aulas, é uma praticante que começou com imenso entusiasmo, vinha todos os dias, e era das primeiras a chegar nas aulas da manhã, entrava pelas 6.45! Foi progredindo pelas posturas, avançando gradualmente, até ao verão deste ano. As férias dos filhos, a não rotina daquela particular altura do ano, mexeu com a sua disciplina, mas também com a sua vontade para praticar, e aos poucos foi vindo menos, e cada vez menos. Só regressou quando os filhos retornaram a entrar na escola, mas depois de alguns meses longe do tapete, nem sempre é fácil o regresso. Perde-se vontade, ganhasse dúvidas, e os dias de não aparecer na escola, multiplicam-se!
Quantas pessoas perdem o ânimo para praticarem Ashtanga Yoga logo nas primeiras horas do dia? Ou ao final do dia? Ao pensar nisto, lembrei-me de uma conversa que tive com uma das praticantes que participou no nosso último Retiro de Ashtanga Yoga, no Monte Velho, neste final de Outubro. Contava-me que tinha vindo ao Retiro, para ver se voltava a ter inspiração para praticar Ashtanga Yoga! Vivia em Lisboa, mesmo em frente a um Shala, e durante uns meses foi super dedicada, mas depois foi perdendo a vontade. E quando fez a inscrição no Retiro, foi porque pretendia tomar uma decisão de, ou continuar com a sua prática, ou passar a dedicar-se exclusivamente ao Kick Boxe, ou à corrida, ou outra coisa qualquer. Argumentou que tinha uma vida intensa de trabalho, três filhas, que vivia a correr de um lado para o outro, e que de início se apaixonou pelo Ashtanga, pela rotina de ir ao Shala em frente a sua casa, mas que depois começou a sentir bloqueios, que todo o corpo doía, que parecia que o corpo não queria que fizesse aquelas posturas, e acabou por se aborrecer, deixou de aparecer no Shala, menos um dia, menos dois, menos uma semana e o tapete começou a ganhar pó no armário lá de casa. Ganhou uma espécie de repulsa pela prática! E ao mesmo tempo sentia saudades!
Ao longo de todos estes anos de ensino, já vi tantas pessoas a passarem pelo mesmo, começam com paixão, com entrega, dedicação de corpo, mente e alma, falam do Ashtanga Yoga à família, aos amigos, até aos desconhecidos, tudo é razão para partilharem a maravilha que é o Ashtanga Yoga nas suas vidas, até que de repente estampam-se contra o aborrecimento, a perda de vontade, alguma dor, ou bloqueio, alguma espécie de tristeza e tudo vira razão para não subirem ao tapete. Mesmo que sintam saudades da rotina da prática, acabam por se afastar. Alguns para todo o sempre, e outros acabam por regressar, passam as passas do Algarve, para retomarem, porque sim, o processo do regresso custa, o corpo muitas vezes acaba por estar mais fechado, é preciso paciência para devagarinho ele ir cedendo mais uma vez. A mente ganhou distrações, dúvidas, o que acaba por não ajudar à motivação. O único segredo para conseguir recuperar a prática, é ir à escola, ou se pratica em casa sozinho, será estender o tapete e praticar, um pouco todos os dias, melhor menos que nada, e gradualmente vai recriando a sua prática.
Mas quando a fase de enamoramento acaba, há algo para reflectir –
O Ashtanga Yoga já não é a última novidade da sua vida.
O Ashtanga Yoga entrou na sua rotina.
O Ashtanga Yoga não vai ser o seu comprimido para não sentir, nem pensar. O Ashtanga Yoga vai começar a entrar nas profundidades do seu Ser, no seu corpo, na sua mente e na sua alma.
De quando em quando haverá períodos menos atraentes, menos entusiasmantes, menos espectaculares. Onde você estará apenas consigo mesmo, e a sala até pode estar cheia de outros praticantes, que você vai sentir-se sozinho! Num caminho solitário. E sim, seria muito mais giro estar na sala do ginásio, com a música aos altos berros, enquanto olhava para as outras pessoas à sua volta, falava com a amiga do lado, e fazia a segunda série dos exercícios para fortalecer as suas pernas. Mas não, no Ashtanga Yoga não há espaço para conversas entre amigos!
E muitas vezes, no Ashtanga, começará a ver o que não quer, e a sentir o que tanto tentou evitar toda a sua vida. Mas aquilo que posso falar-lhe, é que mesmo nestes dias, mesmo com menos vontade, estímulo, a prática pode virar um amor para toda a sua vida e um instrumento rico para o seu dia-a-dia.
Há que sacudir-se aí dentro de si mesma, agarrar no tapete no armário, limpar-lhe o pó, levá-lo para o Shala, ou voltar à prática em casa, e começar. E dali a uns tempos, vai sentir-se abençoado por ter continuado, porque conseguiu superar-se um pouco mais, abriu portas dentro de si do que era incomodo, não agradável, para algo possível e natural. Há uma frase advinda de Shri T. Krishnamacharya que fala que ele descrevia o Yoga como um processo de tornar o impossível em possível, e que pela prática, durante um período prolongado de tempo, que o possível passaria a fácil. O grande problema dos praticantes de hoje em dia, de todos nós, é que queremos passar logo do impossível para a fase do fácil, esquecendo que isto é um processo para a vida. E mesmo nas fases que parece que andou para trás, que não pode praticar como até há uns tempos fazia, que não está a fazer nada de errado. Que a prática é como a vida, ora para cima, ora baixo, ora para um dos lados, ora em zigue-zague, ora em género de cambalhota, ou pinos, ora em modo de rastejar, ora a sorrir e cantar, ora a chorar e lamuriar, suba ao tapete e força, dia-a-dia voltará a sentir aquele brilho, aquela motivação interna, e olhará para trás como algo que conseguiu ultrapassar e continuar.