# LONG JOURNEY

Olho para as fotografias que fui recolhendo ao longo destes meses, e é fácil perceber as diferenças. De uma barriguinha que não aparentava gravidez,  escrevo hoje com uma barriga cheia de uma bebé que já anseio conhecer, olhar e tocar. Os meses foram passando e reparo os pormenores do que vivi em cada uma destas fotos e esboço naturalmente um sorriso, porque tem sido uma longa jornada de adaptação, de me conhecer sobre uma perspectiva que até então desconhecia, de muita entrega e imensa fé.

Optei por não parar de praticar nos três primeiros meses de gravidez, foi uma decisão pessoal, apoiada no conselho da minha super médica.  Mas desde o primeiro instante que modifiquei aquilo que sabia que seria necessário, despedi-me da segunda série sem medo, e suavizei na primeira, para começar a criar espaço para a bebé. Procurei consolo na respiração, especialmente quando era invadida por mais uma onda de cansaço, e lá fui conseguindo praticar dia atrás de dia.

Fui daquelas felizardas, em que o único sintoma de gravidez foi mesmo o cansaço, que me deixava verde, a ponto de ter de parar de caminhar para me sentar, respirar e respirar até que as forças voltassem. Para infelicidade do meu marido, paralelamente a este, tive apenas outro, que era um mau feitio do pior! Por tudo e por nada, ficava irritada comigo, com o mundo, para logo de seguida estar em total modo zen. Numa loucura hormonal que facilmente seria retratada numa boa comédia de final de tarde. Ora muito calma, repleta de luz,  para logo de seguida entrar em mim sei lá o quê, e tornar-me, por uns minutos, para o meu marido com certeza, que longos minutos, completamente insuportável. A médica não me conseguia dar solução para esta segunda característica, apenas se desatava a rir, sempre que lhe contávamos mais alguma das minhas loucuras, e para a primeira valeu-me o suplemento de vitaminas e uma boa alimentação. Descobri aos poucos que o que ajudava na segunda, era estar no Shala, rodeada pelos alunos,  que ensinar de alguma forma equilibrava as loucuras das minhas hormonas, não porque não perdesse as estribeiras quando alguém se esquecia de um pormenor, ou quando estavam distraídos, mas sentir-me envolvida a ajudar as suas práticas, permitia afastar-me dos devaneios do meu corpo, mente e alma que estavam em pura adaptação para criarem o ambiente para que esta bebé pudesse crescer.

Os meses passaram, e o segundo trimestre foi feito com muito mais tranquilidade, o cansaço deu lugar a nova energia, e apenas de quando em quando houveram dias com alguma azia, porque mais uma vez fui daquelas sortudas, que não tiveram grandes preocupações e incómodos. O mau feitio também foi ficando menos evidente, para dar lugar a alguns momentos de medos, inseguranças, tristeza, talvez de um eu a despedir-se, por preparar-se para uma mudança iminente.  Existiram dias que ensinava de manhã e depois de terminar de praticar,  já a descer as escadas do Shala, começava num pranto de choro, vindo sei eu lá de onde, muito me valeu as conversas infindáveis com a minha mãe, e os telefonemas com algumas das minhas grandes amigas, onde com paciência me ouviam e apoiavam. E o meu marido que por estas alturas me  limpava as lágrimas, enchia-me de mimos, e amparava para eu levantar a cabeça ainda meia confusa, pela razão do choro, porque aparentemente estava tudo bem, a bebé crescia,  eu ainda podia surfar, ainda tinha a prática e ainda ensinava como sempre.

Mais meses e mais barriga, e lá chegou o momento de me despedir do surf, aos quase 6 meses de gravidez. Altura que a minha mente voltou-se para  a preocupação com o ensino, depois de 10 anos sem parar de leccionar no Ashtanga Cascais, com excepção de quando estava em Mysore,  a estudar com Sharath Jois   ou quando tirava umas semaninhas de descanso, mas quantos anos ensinei de manhã e de tarde, feriados, fins-de-semana? O terceiro trimestre teve apenas alguns episódios de azia,  o choro deixou de existir para dar lugar à nítida percepção que começava ser preciso abrandar no ensino, porque gradualmente semana atrás de semana, já não conseguia ensinar três horas seguidas de manhã e de tarde, ficava de língua de fora em menos de duas horas, completamente esgotada! Valeu-me a compreensão e apoio dos alunos para eu ir aliviando a minha carga de trabalho, o Jo por ensinar no meu lugar, e a prática por  libertar este corpo e mente das preocupações.

Escrevo hoje, com 38 semanas, acordei outra vez a sonhar que estava a surfar, o movimento da prancha, o toque da água das ondas no rosto, e provavelmente continuarei por muitas mais semanas a despertar assim, até  voltar a viver a experiência de apanhar uma onda. Mas logo à tarde ensino mais uma aula Guiada de Segunda-feira, e amanhã é feriado, e lecciono sozinha o Mysore Style. Daqui a pouco quando vocês lerem estas palavras, eu já devo estar em cima do meu tapete, a aproveitar aquilo que sinto que me ajuda como pessoa, e que espero que um dia o possa partilhar com a minha filha.

Tem sido uma longa jornada, repleta de gratitude pela prática, pelo ensino, por cada um dos alunos cá de casa, pelo imenso apoio da família, dos amigos, e dos meus professores.

BOAS PRÁTICAS

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